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Ana Costa Couto

AS TRÊS CRISES ESSENCIAIS

Atualizado: 22 de mar. de 2021

O propósito deste artigo é gerar uma reflexão sobre necessidades essenciais que precisam, corajosamente, começar a serem discutidas mais profundamente nas organizações.

O que queremos para nossas empresas? Queremos criar âmbitos humanos, éticos e de resultados econômicos sustentáveis ? Quem é responsável por isso? Por onde começar?

Ana Lúcia Costa Couto

Há alguma prerrogativa para liderar um time? A meu ver, sim, há. Para liderar um time um líder precisa gostar de gente, ter alguma ideia de como gente funciona e precisa querer assumir a responsabilidade por cuidar. Muitos problemas detectados em pesquisas de Clima Organizacional têm como causa a omissão da liderança em assumir essa responsabilidade e trabalhar nas condições que favoreçam ao alinhamento, engajamento e ao sentido do trabalho.

A maioria dos problemas que tenho encontrado é decorrente dessa omissão. Que omissão? Comunicações que não são feitas, decisões que não são tomadas, parâmetros que não são definidos, valores que não são claramente sinalizados, atitudes negativas não coibidas, comportamentos desalinhados não corrigidos. Junta-se a isso a falta de uma visão compartilhada, claros indicadores de performance, ausência de feedback e feedforward e, ainda, fazer a constante e necessária tarefa de alinhar constantemente os esforços em prol de um bem comum. A ausência desses cuidados levam o time a disfunções.

Por que? Quantos líderes realmente se importam? Quantos realmente querem cuidar? Quantos estão dispostos a nutrir o seu time?

Parece que há um entendimento intelectual do papel do líder, mas em muitos casos, não há um compromisso autêntico com este papel. A crise essencial que percebo é uma crise de responsabilidade pessoal. Vejo lideres que se pudessem diriam: “alguém por favor cuide dessa gente e me deixe em paz para eu fazer o meu trabalho!”.

No entanto, a crise essencial da responsabilidade pessoal, não se inicia e nem finda na liderança. Essa crise está em todos e em cada um de nós. As pessoas em geral parecem não reconhecer como sua a responsabilidade de cultivar boas relações, ajudar a criar um clima saudável de coleguismo, examinar seus próprios comportamentos e como estes impactam os demais, em fim, responsabilidade por criar uma ambiência positiva. Hoje já sabemos que o clima de uma organização impacta de 20 a 30 % nos resultados[1]. O clima sozinho não garante resultado, mas uma boa ambiência alavanca-o. Quem é responsável por isso? Claro que o líder tem um papel relevante e essencial. A forma como as pessoas avaliam o clima é impactada em algo entre 50 a 70%[2] pela forma como percebem seu líder. Sim, é papel do líder criar um ambiente favorável ao desempenho, mas muitas vezes isso pode lhe parecer uma tarefa hercúlea. Ele/ela pode não saber por onde começar, ou sentir que os conflitos dentro do time são maiores do que sua capacidade de resolver e, decidir, pedir ajuda. Parece um bom momento para reunir o time, expor os problemas e discutir ações concretas para corrigir o curso dos acontecimentos. Tudo fica mais fácil, e melhor para todos, quando os colaboradores também percebem e assumem sua responsabilidade pessoal em ajudar a criar um clima que favoreça a um trabalho em time alinhado e eficaz, incorporando alguns comportamentos e eliminando outros.

Tenho começado muitos dos meus team buildings trabalhando responsabilidade pessoal. Esta tem sido uma abordagem que surpreende as pessoas, pois no geral estão esperando, e temendo, que se trate de mais um programa “abraça árvore.”

Quando ajudo o líder a fazer seu dever de casa – entender melhor o ser humano e como promover as forças que impulsionam o trabalho em time – e ajudo as pessoas a serem mais protagonistas da realidade que querem criar, os resultados têm se mostrado mais duradouros e crescentes. As pessoas evoluem e fazem melhorias, conflitos que pareciam sem solução são minimizados em prol de um bem maior.

Outra crise essencial nas organizações, e que tem impacto direto na performance de um time, é a crise de sentido. As pessoas querem fazer algo que tenha sentido, querem contribuir com algo maior do que elas mesmas, mas no geral, essa necessidade é achatada numa miopia de sentido no dia a dia nas organizações. Cada pessoa é responsável por encontrar o sentido do seu trabalho, mas à liderança cabe esclarecer e manter vivo o sentido e a visão comum.

Tenho realizado um trabalho que intitulei Team Building Social. Nesses, o cliente é de verdade e a causa é maior e mais importante que quaisquer diferenças pessoais. Nesse trabalho o grupo tem como missão uma ação social. A missão dada pode ser desde fazer um almoço ou uma festa de natal para crianças carentes, até uma simples oficina de brinquedos recicláveis. A ação por si só tem seu valor, mas o que fica demonstrado é a força de um sentido, de um propósito de valor. As pessoas se superam, superam divergências e se movem de forma harmoniosa e criativa quando enxergam um sentido no que estão fazendo. Depois de um esforço que põe a todos numa “nova zona de conforto”, o que se vê é um clima de admiração e respeito mútuos que alavanca qualquer performance. Claro, há uma estratégia e um bom plano de trabalho, conhecidos e compartilhados por todos, os papéis e o que é esperado como resultado final estão claramente definidos, isso cria alinhamento. Todos estes cuidados garantem o sucesso da missão. Nada motiva mais que o sucesso, e a missão última de um líder e levar seu time a experimentar o sucesso.

Logo, qualquer intervenção relevante para melhorar a performance de um time de trabalho não pode negligenciar essas duas forças motriz da humanidade: responsabilidade pessoal e um sentido de valor. Mas além delas e sobre elas está a necessidade de criar um ambiente humano para SER humano. A falta disto tem se convertido numa terceira crise. As organizações em geral têm estimulado um ambiente que privilegia a competição, a racionalidade e o “profissionalismo” asséptico em detrimento da conversa, do coleguismo e da cooperação. As relações têm se tornado superficiais e apressadas, sendo muitas vezes, na melhor das hipóteses, cordiais. Isso tem consequências diretas no nível de confiança entre as pessoas, na qualidade, na saúde, no desempenho, no nível de entrega e na felicidade das pessoas em seu trabalho. Todo fazer humano é movido por uma emoção que dá sentido ao fazer da pessoa que o realiza. As pessoas executam suas entregas numa dinâmica relacional que suprime ou nutre esse sentido. Portanto, se queremos empresas melhores precisamos rapidamente ampliar nossa consciência da classe de ser vivo que somos e do que é ser humano.

Então o que fazer?

Primeiro, precisamos inspirar as pessoas a assumir responsabilidade pelo ambiente que criam e pelo ambiente que desejam. É neste ambiente que a performance acontece, que as competências produzem entregas e que a vida humana se desenrola boa parte do tempo. Inspirar é colocar AR no sistema. Em geral as pessoas não conseguem ver com clareza a relação entre seus comportamentos e atitudes e o ambiente que ajudam a criar. Perceber que mudando a forma como estão reagindo a determinadas circunstâncias pode disparar uma mudança fundamental em seu entorno, e que esse entorno transformado facilitará sua própria transformação é ao mesmo tempo que assusta, uma inspiração. Essa percepção coloca AR num sistema que estava viciado a respostas automáticas e dá ao indivíduo a visão de sua responsabilidade e poder. A pessoa percebe que pode deixar de apenas sofrer o entorno para uma ação mais responsável por mudar este entorno. Que a transformação de um, inevitavelmente gera uma transformação no outro. É o que Humberto Maturana em sua Biologia Cultural chama de autopoiésis, a capacidade do ser vivo se auto produzir, e ao fazê-lo provocar em seu entorno transformações, pois é nesta relação que se forma o nicho. O nicho que vivemos se configura instante a instante, e nossos nichos interagem entre si. Indivíduo e entorno mudam juntos e isso se transforma numa “unidade operacional” que se transforma junto.

Em suma, falamos da capacidade do Ser Humano de se auto formar e transformar seu entorno, mas trata-se antes de tudo, da capacidade humana de ampliar seu nível de consciência de quem é, para determinar suas escolhas em função das consequências que deseja criar para si e para outros. Por isso, acredito que fortalecendo a responsabilidade pessoal podemos operar mudanças rápidas e significativas num time de trabalho.

Segundo, é necessário nutrir as pessoas constantemente com uma visão que dê sentido ao seu fazer. Apenas o fazer com sentido nutre nossa necessidade de realização. Quando trabalhamos em time, o sentido do que estamos construindo juntos fortalece os elos, amplia nossa consciência do outro e de nossa interdependência, do valor que cada pessoa e seu trabalho adiciona, aprendemos a valorizar as diferenças e isso nos convida a conversar – conviver em uma rede – para então, desenhar soluções. O propósito comum faz com que tenhamos de coordenar nossos “sentires”, nossos “pensares” e nossos fazeres”, de acordo com Maturana.

E por último, mas não menos importante, precisamos resgatar nossa humanidade nas relações dentro das organizações. Não somos seres unicamente cerebrais, somos seres da emoção também, e isto longe de ser um estorvo é o que nos permite colaborar, compartilhar, ouvir, conversar, apoiar-nos mutuamente. É nesse encontro que conectamos coisas separadas e criamos o novo, construímos alternativas de solução, superamos a nós mesmos. Quando a competição domina o ambiente e passa a ser um valor, destruímos nossas relações e com elas essas possibilidades que nos fortalecem. Muitas vezes em meu trabalho, tudo que preciso fazer é criar um espaço de confiança para que as pessoas se aproximem, se reconectem, se sintam vistas, respeitadas, de valor para o grupo a que querem pertencer. Ao fazê-lo, um pequeno milagre se opera, o milagre de SER HUMANO outra vez.

Texto extraído do livro: Equipes de Alto Desempenho, Coleção SER+

Autora: Ana Couto

Fonte O Poder da Inteligência Emocional, Primal Leadership – Daniel Goleman

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